A tecnologia blockchain está trazendo grandes mudanças para a forma como os contratos são feitos e executados no Direito. Para os empresários brasileiros, entender essas transformações pode abrir novas oportunidades e ajudar a superar desafios jurídicos relacionados a essa nova inovação.
O blockchain é, basicamente, uma maneira de registrar informações de forma digital, que facilita transações e o rastreamento de ativos em uma rede de negócios. Pense nele como um livro-razão digital, onde todos podem verificar e validar as transações, mas ninguém pode mudar ou apagar o que já foi registrado.
Funciona assim: a cada transação feita, como uma compra ou venda, são criados blocos de dados. Esses blocos são ligados em uma sequência, formando uma “corrente” (ou “chain”). Cada novo bloco inclui informações sobre o anterior, de forma que, se alguém tentar alterar qualquer dado, todos os blocos seguintes serão afetados. Isso torna praticamente impossível fraudar o sistema.
A segurança do blockchain é garantida pela criptografia, que protege os dados usando códigos muito complexos, e pela estrutura de consenso, que é a forma como a rede de computadores (nós) concorda que uma transação é válida. Um exemplo seria a compra de um imóvel. Ao registrar essa compra no blockchain, todos os envolvidos (vendedores, compradores e corretores) podem verificar que a transação aconteceu, sem precisar de intermediários. Como o sistema é seguro e descentralizado, ele reduz o risco de fraude.
Embora o blockchain seja mais conhecido por ser a base das criptomoedas, como o Bitcoin, essa tecnologia também é usada para criar contratos inteligentes (smart contracts). Já ouviu falar nisso?
Contratos inteligentes e automatização
Os contratos inteligentes são programas de computador que executam automaticamente o que foi acordado entre as partes quando certas condições são atendidas, sem precisar de um intermediário. Por exemplo, em um contrato de fornecimento, o pagamento pode ser liberado automaticamente ao fornecedor assim que a entrega do produto for confirmada. Isso torna o processo mais rápido, mais seguro e menos sujeito a erros humanos.
Outra vantagem dos contratos inteligentes é a transparência. Todas as partes envolvidas podem acessar o mesmo registro imutável das transações, o que reduz disputas sobre o que foi ou não acordado. No Brasil, o uso do blockchain é mais comum em instituições financeiras e no comércio exterior. Bancos como o Santander, Itaú e Nubank já aplicam a tecnologia, e o BNDES está testando o blockchain em parceria com o banco alemão KfW. Além disso, o Banco Central também tem explorado a tecnologia.
Os desafios jurídicos do blockchain
Apesar de todos os benefícios, ainda existem desafios para a adoção do blockchain no Direito Contratual no Brasil. Um dos principais problemas é o reconhecimento legal dos contratos inteligentes. Nossa legislação ainda está se adaptando para regulamentar esses novos tipos de contratos, o que cria incertezas sobre sua validade e execução.
Outro desafio é saber qual legislação se aplica quando usamos o blockchain para transações internacionais, já que o blockchain é uma tecnologia global. Imagine um contrato entre uma empresa no Brasil e outra nos Estados Unidos: qual lei será aplicada se houver um problema? Como as transações envolvem diferentes países, com diferentes regras, pode ser difícil resolver disputas sobre o contrato.
O governo brasileiro, no entanto, está trabalhando para se adaptar a essa nova realidade. Em agosto de 2024, um evento promovido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo BNDES deu início à fase piloto da Rede Blockchain Brasil, que visa aumentar a segurança e a transparência no uso do blockchain na administração pública. Esse projeto deverá avançar até 2026, com foco em áreas como saúde, educação e segurança pública.
O caminho a seguir
Os contratos inteligentes levantam várias questões jurídicas. Um ponto importante é a proteção de dados. Ao contrário dos contratos tradicionais, as transações feitas por meio do blockchain deixam um rastro digital que pode ser acessado por outras partes. Como os dados registrados na blockchain não podem ser alterados ou apagados, a proteção dessas informações é ainda mais necessária.
Para que os contratos inteligentes sejam legalmente reconhecidos no Brasil, eles precisam seguir os mesmos princípios que regem qualquer negócio jurídico, como o respeito à boa-fé e às regras do Código Civil. Esses princípios são fundamentais, já que ainda não existe uma legislação específica para lidar com as particularidades dos contratos inteligentes.
Resolução de disputas em contratos inteligentes
Outro ponto a ser considerado é como resolver disputas em contratos inteligentes. Como essas transações são globais e envolvem tecnologia complexa, pode ser difícil resolver conflitos usando os meios tradicionais, como os tribunais. É aí que entram as cláusulas de arbitragem e mediação, que permitem uma solução mais rápida e eficiente.
A arbitragem é uma boa opção, pois permite que especialistas em direito e tecnologia atuem como árbitros, garantindo que as questões técnicas dos contratos inteligentes sejam bem compreendidas. Além disso, a mediação online é uma alternativa eficiente, permitindo que as partes negociem digitalmente e evitem disputas maiores.
Esses mecanismos de resolução de disputas são importantes para dar flexibilidade aos contratos inteligentes e oferecer uma forma de resolver problemas que o código automatizado pode não prever. Para as empresas, incluir essas cláusulas desde o início garante mais segurança e proteção jurídica.
A tecnologia blockchain tem o potencial de transformar profundamente o Direito Contratual, tornando-o mais eficiente, transparente e seguro. No entanto, para superar os desafios atuais, será necessário um esforço conjunto entre juristas, desenvolvedores de tecnologia e a comunidade internacional.
Esse esforço deve focar no desenvolvimento de regras, padrões e leis que lidem com as particularidades dos contratos inteligentes e da inteligência artificial. Isso pode incluir a criação de modelos padronizados de contratos inteligentes, a implementação de mecanismos de resolução de disputas adaptados a essas novas tecnologias e a cooperação entre diferentes países para harmonizar regulamentos. Para os empresários brasileiros, estar atento a essas mudanças pode ser a chave para aproveitar as oportunidades que o blockchain oferece.
Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.