Nova lei uniformiza juros para contratos sem taxa convencionada

A Lei nº. 14.905/24, sancionada no último dia 28 de junho, dispõe sobre a uniformização da aplicação de juros em contratos de dívida sem taxa convencionada e em ações de responsabilidade civil extracontratual, conhecidas como perdas e danos. A nova legislação, que trouxe importantes alterações na Lei nº. 10.406/02, o Código Civil Brasileiro (CCB),   estabelece que a taxa legal de juros a ser aplicada nos contratos deve ser equivalente à diferença entre a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). 

Uniformização dos juros em contratos sem taxa convencionada

A Selic é a taxa referencial utilizada pelo Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para a remuneração dos títulos federais. Ela inclui tanto a correção monetária quanto os juros de mora, sendo, portanto, uma escolha adequada para padronizar essas relações contratuais.

A definição de um índice de correção monetária específico para o descumprimento de obrigações pecuniárias é especialmente importante para contratos de empréstimo, dívidas condominiais e obrigações negociais que, até então, não especificavam qual taxa de juros deveria ser aplicada. A aplicação da Selic nesses casos traz previsibilidade, já que as partes envolvidas poderão calcular com mais segurança os encargos decorrentes de eventuais inadimplementos.

Correção monetária em caso de inadimplência

No CCB, essas novidades alteraram em especial o artigo 406, em seu parágrafo segundo. Ele especifica que a taxa de juros moratórios será a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, acumulada mensalmente. Até então, a falta de um critério objetivo para a aplicação de juros em contratos que não previam expressamente uma taxa gerava insegurança jurídica. A redação do artigo 406 permitia diferentes interpretações sobre qual índice de juros seria aplicável, mencionando apenas “índices oficiais”, sem uma definição precisa de qual deveria ser usado. Com isso, as partes envolvidas em uma obrigação inadimplida não tinham um referencial claro e seguro, e os tribunais, muitas vezes, aplicavam taxas diferentes, como a Selic ou juros de 1% ao mês, conforme o Código Tributário Nacional.

Com a nova lei, a taxa Selic foi consolidada como o índice padrão para esses casos, tanto para a correção monetária quanto para os juros de mora. A Selic reflete a política monetária do Banco Central, proporcionando uma base confiável e segura para a atualização das dívidas em atraso. Ao unificar a correção monetária com a aplicação dos juros de mora, a lei elimina a necessidade de aplicação de diferentes índices e facilita o cálculo das obrigações pecuniárias.

Ações de responsabilidade civil extracontratual (perdas e danos)

Além das inovações no âmbito contratual, a Lei nº 14.905/2024 também se aplica às ações de responsabilidade civil extracontratual, notadamente em casos de indenizações por perdas e danos. 

Com a nova lei, ficou definido que a taxa Selic será aplicada desde a data do evento danoso até o pagamento final da indenização, garantindo uma compensação justa para as vítimas de danos, sem que elas sejam prejudicadas por atrasos no processo judicial. Essa mudança também promove uma maior previsibilidade para as partes envolvidas em litígios, já que os encargos serão calculados de forma clara e objetiva.

A unificação da aplicação da Selic, tanto para contratos de dívida quanto para ações de responsabilidade civil, reforça a segurança jurídica no Brasil, uma vez que elimina divergências interpretativas e simplifica os processos de cálculo das indenizações.

Esclarecimentos sobre a Lei da Usura

Um ponto que merece ser destacado é que a Lei nº 14.905/2024 não promoveu alterações na Lei da Usura (Decreto nº.  22.626/33). O decreto, que proíbe a cobrança de juros compostos e também de juros abusivos superiores ao dobro da taxa legal, continua vigente. No entanto, a flexibilização da Lei da Usura não só corrobora com a possibilidade de cobrança de juros mais altos pelos bancos, como também estende essa possibilidade a um maior número de entidades como outras instituições financeiras e empresas que concedem crédito. A intenção, do ponto de vista do Governo Federal, é alinhar as práticas de mercado com a realidade econômica, o que pode resultar em condições de crédito mais competitivas e justas.

Impactos práticos da uniformização

No contexto empresarial, a uniformização dos juros pode ser vista como um avanço para o ambiente de negócios, uma vez que reduz os custos com litígios e facilita o cálculo dos encargos contratuais. Isso favorece a confiança entre credores e devedores, além de contribuir para um ambiente mais favorável ao crédito e ao investimento.

Já para o consumidor, a lei garante que os juros e a correção monetária sejam aplicados de maneira justa e previsível, evitando a imposição de taxas arbitrárias ou abusivas. Ao unificar as regras, o legislador também buscou promover um equilíbrio nas relações de consumo, garantindo que ambas as partes tenham clareza sobre os encargos devidos em caso de inadimplemento.

Considerações Finais

Do ponto de vista do Direito Civil, a uniformização das regras de correção monetária e a revisão da taxa de juros moratórios, com a escolha da taxa Selic, são medidas que buscam resolver questões que há muito tempo causavam divergências interpretativas nos tribunais.

Além disso, a lei reforça a importância da segurança jurídica como um dos pilares para o desenvolvimento econômico, ao proporcionar regras claras para o cálculo de encargos contratuais e indenizações. O resultado é um cenário mais favorável para as transações comerciais e um maior equilíbrio nas relações jurídicas, beneficiando tanto consumidores quanto empresas.

Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.