A propriedade digital de imóveis via tokens

O avanço da inteligência artificial e do desenvolvimento digital em geral em todos os âmbitos do nosso cotidiano está estimulando debates sobre o futuro das transações financeiras no Brasil. O mercado imobiliário, por sua vez,  não deve ficar de fora dessa revolução que o blockchain promete provocar. Startups nacionais já estão utilizando essa tecnologia para impulsionar iniciativas como a tokenização de imóveis e a venda fracionada de propriedades. Mas como isso funciona na prática?

O primeiro passo é entender o conceito dos tokens. Tokenização é o processo de transformar um ativo real, como um imóvel, em um ativo digital. Esse ativo digital é representado por tokens, que correspondem a frações do valor total do imóvel. Este processo é baseado na tecnologia blockchain, um registro digital que armazena dados de forma transparente e imutável, garantindo que qualquer transação seja rastreável e segura.

A tokenização no Setor Imobiliário

A tokenização de imóveis abre uma série de possibilidades para os proprietários, facilitando a transferência de propriedade ao eliminar a necessidade de intermediários. Além disso, permite o desenvolvimento de “aplicativos para imóveis”, que podem automatizar diversas funções relacionadas à gestão e às transações de propriedades.

Neste contexto, os contratos inteligentes (smart contracts) se destacam como um dos principais benefícios da tokenização. Esses contratos, registrados em blockchain, utilizam protocolos computacionais para garantir que os termos sejam invioláveis e autoexecutáveis. Isso reduz os riscos para incorporadoras e compradores, pois, caso uma das partes não cumpra o acordo, o sistema pode bloquear automaticamente o processo até que as condições sejam atendidas.

Aproveite para saber mais sobre como negociar ou captar publicamente recursos com tokens acessando nosso artigo, aqui no blog.

Transações fracionadas de ativos imobiliários

A compra de frações de imóveis, conhecida como tokenização imobiliária, é um processo inovador que permite que várias pessoas adquiram partes de um imóvel. Nesse processo, o imóvel é inicialmente avaliado para determinar seu valor de mercado. Em seguida, esse valor é dividido em várias frações menores, representadas por tokens, sendo que cada token corresponde a uma parcela do imóvel.

A tokenização permite que as frações de um imóvel sejam compradas, vendidas e negociadas de forma independente. Por exemplo, um comprador pode adquirir um token que representa 20% de um imóvel e, com o tempo, adquirir os 80% restantes. Além disso, investidores podem optar por adquirir apenas uma fração do imóvel, obtendo dividendos ou vendendo sua parte conforme o imóvel se valoriza.

Os interessados podem adquirir os tokens por meio de uma plataforma digital, comprando uma ou várias frações do imóvel, conforme o valor que desejam investir. A gestão do imóvel é realizada por contratos inteligentes, que automatizam e garantem o cumprimento dos acordos, incluindo a distribuição de rendimentos no caso de aluguel e o registro da valorização do imóvel.

Além disso, os tokens podem ser negociados entre investidores em plataformas específicas, permitindo que os proprietários vendam suas frações do imóvel, dependendo da existência de interessados. Esse sistema democratiza o investimento imobiliário, possibilitando que mais pessoas invistam em imóveis sem a necessidade de adquirir uma propriedade inteira, e pode facilitar a liquidez à medida em que a regulamentação de mercados secundários evoluir.

Gestão de propriedades no ambiente digital

A gestão de propriedades no ambiente digital utiliza a blockchain e os contratos inteligentes para administrar e transacionar imóveis com eficiência e segurança. Enquanto a blockchain registra todas as transações de forma transparente e imutável, os contratos inteligentes são programados para executar automaticamente os termos de um contrato quando determinadas condições são atendidas, eliminando intermediários. No contexto imobiliário, isso pode incluir a transferência de propriedade, o pagamento de aluguéis ou a distribuição de dividendos. 

A tokenização democratiza o investimento imobiliário, permitindo que mais pessoas invistam em imóveis sem precisar comprar uma propriedade inteira. A gestão digital de propriedades oferece acesso em tempo real a informações sobre o imóvel, como histórico de transações, valor de mercado e status de locação, facilitando a tomada de decisões informadas por parte dos investidores e proprietários. Além disso, ao eliminar intermediários e automatizar processos, a gestão digital de propriedades pode reduzir significativamente os custos associados à compra, venda e administração de imóveis, incluindo custas cartoriais e honorários advocatícios.

Os tokens imobiliários podem ser negociados em plataformas digitais, permitindo que os proprietários vendam suas frações do imóvel dependendo da existência de interessados, o que pode aumentar a liquidez do investimento imobiliário e tornando-o mais atraente para investidores que buscam flexibilidade. Algumas plataformas já oferecem, inclusive, soluções para facilitar a gestão digital de propriedades, permitindo que os investidores comprem e vendam frações de imóveis, gerenciem suas propriedades e recebam rendimentos de forma automatizada e segura.

A legalidade da tokenização

A tokenização de ativos no Brasil está começando a ganhar forma, mas ainda enfrenta desafios regulatórios. A principal legislação que aborda a tokenização de bens e valores mobiliários é a Lei nº. 6.385/76, conhecida como Lei do Mercado de Valores Mobiliários. Esta lei estabelece as regras para a emissão, distribuição e negociação de títulos e valores mobiliários no país, incluindo os tokens e determina que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) seja o órgão regulador desse mercado.

A CVM tem emitido orientações e normas para esclarecer como os criptoativos, que podem ser considerados valores mobiliários, devem ser tratados. Por exemplo, o Parecer de Orientação nº. 40/221 e os Ofícios Circulares 04/23 e 06/23 fornecem diretrizes sobre a natureza dos tokens de recebíveis e de renda fixa.

Recentemente, a Lei nº. 14.478/2022 também trouxe avanços, embora ainda falte regulamentação infralegal para que seus efeitos sejam plenamente sentidos. Esta lei tem ajudado a aumentar a confiança de instituições financeiras e investidores nas operações de tokenização de ativos.

Também temos a Resolução CVM 88/2022, que pode ser considerada uma forma de legislação. Ela foi emitida pela CVM e estabelece regras específicas para a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, realizada por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo. Essa resolução substituiu a Instrução CVM nº. 588 e trouxe inovações importantes para o crowdfunding de investimento em nosso país. 

A Resolução CVM nº 88 é uma norma regulamentar que tem força de lei dentro do seu âmbito de aplicação. Isso significa que ela é obrigatória para todas as entidades e indivíduos que operam no mercado de valores mobiliários, conforme definido pela CVM. Portanto, embora não seja uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, ela possui caráter obrigatório e é parte integrante do arcabouço regulatório do mercado financeiro brasileiro. Em nosso artigo, você pode ter uma análise mais aprofundada sobre os desafios regulatórios relacionados à tokenização no Brasil. 

Como a CVM está lidando com isso?

A CVM do Brasil tem adotado uma postura proativa em relação à tokenização de ativos, com a emissão de orientações e normas, já mencionadas acima, para esclarecer como os criptoativos, que podem ser considerados valores mobiliários, devem ser tratados.

Além disso, o órgão está explorando os benefícios e desafios trazidos pelo mercado de tokenização dentro de seu sandbox regulatório, que gerou seus primeiros títulos tokenizados em maio de 2022. Esse sandbox permite que empresas inovadoras testem novos produtos e serviços em um ambiente controlado, ajudando a CVM a entender melhor as implicações da tokenização e a desenvolver regulamentações adequadas.

A postura amigável da CVM em relação ao mercado de tokenização tem sido um dos maiores catalisadores do setor no Brasil. A autarquia está comprometida em garantir que as ofertas de tokens estejam em conformidade com as regulamentações de valores mobiliários, protegendo os investidores e promovendo a transparência no mercado.

Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.

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