Em 13 de dezembro de 2023, foi sancionada a Lei nº 14.754, que altera a tributação de investimentos no exterior, incluindo heranças recebidas por residentes no Brasil. Nesse contexto, os trusts se apresentam como uma ferramenta jurídica importante no âmbito do planejamento sucessório e gestão patrimonial, garantindo ao instituidor que o seu patrimônio esteja protegido e seja distribuído conforme a sua vontade.
O trust é uma estrutura fiduciária em que uma pessoa, conhecida como instituidora (settlor), transfere bens, valores e ativos para outra pessoa, denominada trustee, a quem a instituidora confia a gestão desses recursos em prol de um terceiro, o beneficiário. Em alguns casos, pode existir um protetor (protector), que, conforme estipulado no contrato, pode supervisionar as atividades de administração do trustee. O trustee é quem cuida para que os desejos do instituidor sejam minuciosamente cumpridos e a massa patrimonial seja administrada por meio das regras instituídas – com todas as penas da lei do país em que foi feito.
Existem duas categorias principais de trusts: os revogáveis e os irrevogáveis. Nos trusts revogáveis, os bem permanecem sob o controle do instituidor (setor). Já os trusts irrevogáveis, os bens são transferidos automaticamente aos beneficiários quando o trusts é criado ou quando o instituidor renuncia irrevogavelmente aos seus direitos sobre esses bens. Esta diferenciação é relevante, pois terá impacto direto na tributação de seus rendimentos e futuras distribuições.
Definido o termo, podemos prosseguir às questões tributárias, pois é aí que entram as peculiaridades. A referida lei instituiu a obrigação de identificação dos bens do trust na declaração de Imposto de Renda a partir deste ano. Os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos do trust serão considerados obtidos pelo titular na data do evento (criação do trust, distribuição dos bens ou falecimento do proprietário) e sujeitos à incidência do imposto de renda.
Conforme estabelecido pela nova legislação, a distribuição dos bens do trust aos beneficiários seguirá diferentes naturezas jurídicas: doação, se o instituidor estiver vivo, ou herança, em caso de falecimento do instituidor. Essa distinção define os eventos tributáveis (fato gerador) para o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), imposto estadual que está sujeito a alterações conforme discutido na reforma tributária em curso. Sendo assim, um trust irrevogável, em que a transferência de bens para o trustee é definitiva, está sujeito à incidência de ITCMD e a outras disposições relativas à declaração de Imposto de Renda previstas nesta lei. Já no tipo revogável, podendo o settlor revogar o trust a qualquer momento, a maioria dos estados brasileiros não considera a instituição do trust como um fato gerador do ITCMD. Isso ocorre porque, enquanto o trust for revogável, não há uma transmissão definitiva de propriedade do constituinte para o trustee.
A Lei nº 14.754/2023 possui caráter eminentemente tributário, e falha em contemplar diversos aspectos – a exemplo do Direito da Família e Sucessório em si – o que ainda gera discussões e diferentes interpretações. Por exemplo, seria viável estabelecer um trust com a totalidade dos bens do instituidor (assegurando sua subsistência)? Caso afirmativo, e se o instituidor não possuir mais bens ao falecer (pois todos pertencem ao trustee), seria possível ignorar herdeiros legítimos e necessários?
Ainda assim, é um avanço significativo para o país a aprovação de uma legislação, mesmo que incipiente, que regule a estrutura dos trusts de origem estrangeira, proporcionando maior segurança jurídica aos contribuintes. O reconhecimento da existência do trust, as partes contempladas e as diretrizes para sua tributação representam um ponto de partida para a compreensão e a regulamentação total desse sistema, pois sendo o trust uma entidade legal, ajuda a evitar litígios e conflitos legais relacionados à validade e à interpretação de seus arranjos. Em um quadro regulatório claro, o reconhecimento do trust e suas diretrizes tributárias facilitam o planejamento financeiro e sucessório para indivíduos e famílias, permitindo-lhes estruturar seus ativos e recursos de forma eficiente e em conformidade com a lei.
Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.