Infelizmente, a vida das mulheres ainda é bem complicada no ambiente de trabalho. Segundo dados do Ministério Publico do Trabalho (MPT), as denúncias por assédio sexual cresceram 1.500% entre 2018 e 2022. Só em 2023, até o Dia Internacional da Mulher em 8 de março, o MPT já havia recebido 54 denúncias.
Os números refletem uma maior conscientização graças à crecente divulgação de casos na mídia, mas ainda há bastante subnotificação, pois muitas mulheres ficam constrangidas e optam pelo silêncio.
Em situações de assédio moral, o cenário não é muito diferente. Somente no Ministério Público (MP), nas esferas federal e estadual, 50,1% dos entrevistados foram vítimas de assédio moral dentre os 4.077 funcionários entrevistados. A pesquisa foi realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a sua fundação FAURGS, encomendada pela Comissão de Saúde do próprio Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), após a protocolização de requerimento dos servidores, em 2021, para a criação de políticas de saúde mental.
Dentre os entrevistados, 85% apresentaram risco de doenças psicológicas; 77,2% sofreram constrangimento emocional; 27,1% foram vítimas de violência psicológica e 6,7% pensaram em cometer suicídio. A pesquisa também apontou relatos de assédio sexual. Os assediadores possuíam cargos de chefia e o estudo concluiu que os problemas foram ignorados e que a maior parte dos servidores escolheu também o silêncio para manter a estabilidade no ambiente de trabalho. A pauta voltou à mesa somente em março de 2023, mas ainda deverá ser votada em plenário.
Embora aconteça também com homens e outros gêneros, as mulheres, especialmente as jovens e as migrantes, têm o dobro da possibilidade de serem vítimas de assédio sexual e moral em ambiente profissional, de acordo com pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A plataforma de empregos Catho também realizou uma pesquisa e apontou que 38,7% das mulheres no Brasil na sofreram assédio moral no trabalho.
Em 2022, dois grandes escândalos de assédio sexual e moral marcaram o país: o da Caixa Econômica Federal, com foco em seu ex-presidente Pedro Guimarães e o da Petrobrás. No caso da Caixa, 38 testemunhas relataram situações de assédio sexual e moral. O MPT processou o banco e cobra na justiça R$ 300,3 milhões pela omissão em apurar e punir pelos assédios. O MPT também pediu R$ 30,5 milhões a Pedro Guimarães pelas acusações. Em março de 2023, o economista também se tornou réu pelo caso em processo criminal que corre em segredo na justiça.
No caso da Petrobras, que chegou a receber 81 denúncias de assédio sexual entre 2019 e 2022, a situação é mais complexa, uma vez que ainda em 2023 surgiram mais denúncias sobre a empresa. Veículos de imprensa publicaram relatos de diversas funcionárias e os casos seguem em investigação. No último dia 3 de abril, a empresa criou um grupo de trabalho para incentivar mulheres a formalizar as denúncias, além de analisar os casos já relatados. Em 2019, a Petrobras já foi condenada a pagar R$ 111 mil por assédio sexual a uma colaboradora terceirizada.
No ano passado foi sancionada a Lei nº 14.457/22 que instituiu o Programa Empresa + Mulheres, que visava a inserção e manutenção das mulheres no mercado de trabalho. A Lei também determina medidas de prevenção e combate ao assédio sexual e outras formas de violência no mercado de trabalho. Entre as regras estão a inclusão de normas de conduta e divulgação aos empregados; fixação de procedimentos para denúncias e seu acompanhamento; apuração de fatos e sanções administrativas aos responsáveis, garantindo o anonimato da denunciante e a realização de ações de capacitação e orientação a cada 12 meses no mínimo. As determinações devem ser cumpridas pela Comissão Interna de Prevenção a Acidentes de Trabalho e de Assédio (CIPA) e entraram em vigor a partir de março de 2023, após 180 dias de promulgação da Lei.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) também lançaram a Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral e Sexual contendo a definição e classificação de cada tipo de assédio, suas consequências, situações, leis, exemplos, o que fazer e como preveni-los.
Vale lembrar que o assédio sexual é considerado crime no Brasil, de acordo com o artigo 216-A do Código Penal, Lei nº 2.848/40 e a pena é detenção de um a dois anos.
Os casos de assédio sexual ainda podem ser enquadrados no artigo 483 alínea “d”, da CLT Lei nº 5.452/43 pelo não cumprimento das obrigações de contrato, e na alínea “e” do mesmo artigo por ato lesivo à honra, podendo ocasionar a rescisão indireta do contrato de trabalho por falta grave do empregador, oferecendo direito à vítima de receber todos os valores proporcionais ao período de trabalho, incluindo aviso prévio. Se for configurado o dano e comprovado o assédio, a Justiça do Trabalho ainda pode requerer indenização para reparação do dano à vítima de acordo com o artigo 927 do Código Civil Lei nº 10.406/02 e baseado no artigo 114, inciso VI da Constituição Federal. O artigo 932, inciso III e o artigo 933 do Código Civil também responsabilizam o empregador a responder pelos atos praticados entre colegas de trabalho e demais terceiros, incluindo clientes. Portanto, tenha regras claras dentro da sua empresa, ofereça apoio a todos os colaboradores, investigue as denúncias e tenha um advogado de prontidão para evitar esses casos que podem ocasionar sérios problemas jurídicos e de reputação.
A necessidade de respeito e equidade de gênero é tão séria que chegou ao judiciário. Em 14 de março de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu a obrigatoriedade do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Entre as determinações estão a promoção de cursos que incluam conteúdos sobre direitos humanos, gênero, raça e etnia e a criação de um Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário, além de converter o Grupo de Trabalho para o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, uma vez que a magistratura é composta por apenas 38% de mulheres. É uma grande vitória para o direito brasileiro, pois como mulher e empreendedora do setor, sei bem como é lidar com um mercado composto majoritariamente por homens e que muitas vezes não levam às mulheres a sério. Essa nova obrigatoriedade vai ajudar a eliminar os estereótipos e impor o respeito que as mulheres merecem e precisam.
Antes mesmo da obrigatoriedade do Protocolo da CNJ, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, concedeu habeas corpus para prisão domiciliar para uma mãe acusada de tráfico de drogas. A fundamentação citou, predominantemente, mulheres.
Por fim e não menos importante, em março de 2023, o Poder Executivo enviou à Câmara dos Deputados o texto da Convenção 190 (C190) da OIT referente à Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho. O texto, assinado em Genebra (Suíça) em 2019 é o primeiro tratado internacional que reconhece o direito das pessoas a um mundo de trabalho livre e sem violência e assédio, incluindo casos com base no gênero, e já foi ratificado por 25 países.
A C190 envolve todas as categorias de trabalhadores dos setores privado e público, independentemente do tipo de contrato e ambiente físico ou virtual e ainda inclui terceiros como pacientes e clientes. O tratado prevê diversas medidas como leis que proíbam a violência e o assédio e que exijam medidas preventivas dos empregadores; a previsão de sanções para os casos; fácil acesso aos procedimentos para denúncias e investigação, além de assistência social, jurídica, médica e administrativa; proteção e confidencialidade das vítimas e denunciantes; garantia de afastamento do trabalho em caso de perigo eminente e inspeção do trabalho capacitada para lidar com os casos. Para ser aprovado no Brasil, o texto precisa passar ainda pela Câmara e pelo Senado.
Com tudo isso, ficou claro que estamos evoluindo e que o respeito às mulheres e a equidade de gênero é urgente e necessária. Mas, não podemos nos limitar à aplicação das leis e às mudanças nos três poderes. É preciso fazer “a lição de casa”, pois é dentro das empresas que essa mudança deve começar, eliminando-se o machismo, a violência e os padrões pré-estabelecidos, não só para cumprir as leis e evitar as punições previstas, mas principalmente para que possamos construir um mundo melhor.
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Artigo escrito por: Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados