Quais os impactos do Marco Temporal para o Brasil?

O debate sobre o Marco Temporal, Recurso Extraordinário (RE) nº 1017365/19, tem gerado bastante polêmica no Brasil e no mundo. A tese defende que os povos indígenas possuem direito apenas aos territórios ocupados até 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição Federal. Os adeptos à proposta afirmam que a demarcação é uma maneira de assegurar as propriedades dos ruralistas e evitar que estas sejam desapropriadas a qualquer momento. De acordo com estudo do Observatório Jurídico do Agro (OJA), 607 áreas, correspondentes a mais de 117 milhões de hectares seriam incluídas no território indígena, caso a proposta seja negada. Atualmente, o Brasil conta com 621 terras indígenas com total de 119,8 milhões de hectares, 14,1% do território nacional.

Em contrapartida, ambientalistas apostam na tese do “Indigenato”, cuja proposta é que os povos indígenas possuem direito originário das terras, anterior ao próprio Estado. Estes grupos também afirmam que a Constituição de 1988 foi a primeira a reconhecer os povos indígenas como sujeitos de direito e que eles não tinham autonomia para propor ações na Justiça, uma vez que eram tutelados pelo Estado brasileiro até esta data. Por fim, também defendem que a aprovação do Marco Temporal causará prejuízo à sobrevivência dos povos e culturas indígenas e também ao meio ambiente.

A discussão sobre o Marco Temporal teve como ponto de partida a disputa pela Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina, habitada pelos povos Xokleng, que abandonaram a região, após conflitos que resultaram na morte de mais de 240 integrantes, em 1930. O fato foi mencionado pelo ministro Alexandre de Moraes durante o julgamento sobre o Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), em 7 de junho de 2023, que foi adiado por um pedido de vista do ministro André Mendonça. A votação da proposta estava suspensa desde 2021. Antes da interrupção, os ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin votaram contra e, Nunes Marques, a favor. Moraes também defende que, em caso de rejeição da proposta, os ruralistas proprietários de terra em região indígena devem ser indenizados pelo Estado. A expectativa é que julgamento aconteça em até 90 dias.

Ação Cível Originária (ACO) nº 1100 sobre a disputa de terras dos Xokleng também foi adiada pelo STF no mesmo dia, por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Entretanto, caso o Marco Temporal não seja aprovado, o povo Xokleng deve ser beneficiado com a decisão, além de dar fim aos demais 300 processos judiciais em aberto que reivindicam a demarcação de terra dos povos indígenas.

Como funciona a tramitação de um projeto de lei?

Um Projeto de Lei (PL) pode ser apresentado por qualquer cidadão, desde que seja proposto por pelo menos 1% do eleitorado nacional e em cinco estados diferentes, com assinaturas de no mínimo 0,3% dos eleitores em cada um. Além disso, também podem apresentar PLs os deputados, senadores, presidente, Procurador Geral da República, comissões da Câmara dos Deputados, do Senado ou do Congresso, pelo Supremo Tribunal Federal e por Tribunais Superiores.

Normalmente, os PLs tramitam primeiro na Câmara dos Deputados e depois são enviados ao Senado, exceto se forem apresentados por um senador. Neste caso, a ordem é invertida.

Durante a tramitação, se houver alteração no PL em uma destas Casas, o PL retorna para a outra Casa validar estas modificações. A Casa que apresentou o projeto é que dará a palavra final.

De acordo com o tema, os PLs são distribuídos para Comissões específicas. Porém, se o projeto tratar de mais de quatro comissões, ele é enviado para análise de uma Comissão Especial, criada apenas para este PL, que substitui todas as outras.

A maior parte dos PLs tramita em caráter conclusivo nas Comissões, ou seja, se for aprovado, segue para o Senado sem precisar passar pela Câmara, a não ser que pelo menos 52 deputados recorram da decisão.

Após aprovação das duas Casas, os PLs são enviados para a Presidência da República, que pode sancionar ou vetar em até 15 dias. O veto pode ser integral ou parcial e precisa ser votado pelo Congresso. Para rejeitá-lo é preciso voto da maioria de deputados e senadores.

O caso do Marco Temporal, especificamente, foi enviado para julgamento no STF, pois apenas este órgão possui poder para avaliá-lo, por se tratar de uma ementa Constitucional.

O Marco Temporal teve início com o PL nº 490/07 que alterava apenas o Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/73 e propunha que as terras indígenas fossem demarcadas por Lei, com administração realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), mas passariam a ser analisadas também pelo Congresso Nacional. Porém, o substitutivo do PL, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), pretende regulamentar o art. 231 da Constituição Federal, que considera como terras indígenas apenas os territórios ocupados até 5 de outubro de 1988, além de transferir, do Executivo para o Legislativo, o poder de demarcar terras indígenas. O PL também permite plantar e cultivar transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas e a instalação de bases e intervenções miliares sem consulta às comunidades indígenas; proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas; adequa os processos de demarcação em andamento às novas regras; anula as demarcações que não atendam essas regras; concede permissão aos povos indígenas para exercer atividades econômicas nas terras que sejam de sua posse com contrato registrado na FUNAI e isenção tributária; e a retomada de terras reservadas em caso de mudanças culturais da comunidade.

Em abril de 2023, a proposta foi enviada para votação da Câmara em caráter de urgência, na tentativa de se antecipar ao STF, uma vez que o Projeto valida os interesses do Marco Temporal. O PL foi aprovado com alterações pelo Plenário em 30 de maio e seguiu novamente para o Senado. Entretanto, mesmo que seja sancionada, a Lei perderá sentido caso o STF julgue a tese do Marco Temporal como inconstitucional.

Impactos

Além dos impactos defendidos por ambos os lados, a aprovação do Marco Temporal pode gerar conflitos entre o Brasil e a comunidade internacional. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pressiona a derrubada da proposta alegando que ela contradiz as normas internacionais de direitos humanos.

No dia 30 de maio de 2023, cinco organizações da sociedade civil enviaram um apelo urgente à Organização das Nações Unidas (ONU) contra o PL nº 490/07. O Brasil ainda deve enfrentar resistências para a aprovação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE), além de entraves comerciais para o agronegócio brasileiro em função da nova Lei da UE, que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas ou que desrespeitem os direitos dos povos indígenas, caso o parlamento europeu considere que o PL possui este teor.

Independentemente de qual seja o resultado, a esperança é que a decisão seja justa para ambos os lados.

R5TeTem alguma dúvida? Nós da Maragno Advogados teremos prazer em ajudar. Entre em contato.

Artigo escrito por: Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.