No último dia 1º de maio, celebramos mais um Dia Mundial do Trabalho e do Trabalhador. Entretanto, com o aumento de casos e as recentes denúncias de trabalhos análogos à escravidão, nos perguntamos se há algo para comemorar.
Em 29 de março de 2023, durante a audiência na Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o Ministério Público do Trabalho (MPT) sugeriu uma força tarefa para investigar e erradicar as práticas de trabalho escravo no Brasil. Entre elas, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), alterações legislativas e reunião com a Casa Civil. A ação surgiu após o resgate de 918 trabalhadores em circunstâncias similares à escravidão entre janeiro e março de 2023, uma alta de 124% em relação ao mesmo período em 2022, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Desde 1995, quando foram criados grupos de fiscalização, até 2022, mais de 60 mil pessoas foram resgatadas nestas situações.
A Portaria nº 1.293/2017 determina quais são as condições para que um trabalho seja considerado análogo à escravidão. Entre os itens estão: jornada exaustiva, trabalho forçado, condições degradantes, restrição de locomoção devido à dívidas contraídas com o empregador, retenção no local de trabalho, cerceamento de uso de meio de transporte, vigilância ostensiva e apoderamento de documentos e objetos pessoais. A portaria também define que é considerado tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condições análogas à escravidão quando ocorre o recrutamento sob ameaça, coação, fraude, rapto, abuso de autoridade, engano ou entrega de benefícios para que uma pessoa tenha autoridade sobre a outra.
Em relação às punições, o Art. 149 do Código Penal, Lei nº 2.848/1940 estabelece 4 a 8 anos de reclusão e multa para quem submeter alguém à servidão ou trabalho em condições na análogas à escravidão. A pena pode aumentar até 50% se o ato for realizado por funcionário público em exercício, contra crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, se o agente tiver grau de parentesco, coabitação, doméstica, dependência econômica e superioridade hierárquica ou se a vítima for retirada de território nacional. As normas foram adicionadas ao Código Penal pela Lei nº 13.344/2016 que rege o tráfico de pessoas, que prevê 4 a 8 anos de reclusão. Além disso, Emenda Constitucional nº 81/2014 determina que propriedades onde forem encontradas situações de exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e programas de habitação, sem qualquer indenização ao proprietário. Os auditores do Ministério do Trabalho também podem aplicar multas conforme a gravidade da situação.
Do ponto de vista da vítima, os incisos 1º e 2º do Art. 2-C da Lei nº 7.998/1990 estabelecem que os trabalhadores que forem localizados nestas situações deverão ser resgatados e encaminhados ao MTE para recolocação no mercado, além de receberem três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada. Ainda cabem indenizações trabalhistas e por danos morais.
Recentemente, em 2023, tivemos dois casos que ganharam destaque na mídia: 207 pessoas foram resgatadas em alojamentos de empresas que prestavam serviços para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, no Rio Grande do Sul. Relatos afirmaram que além das jornadas exaustivas de 12 a 16 horas diárias, os trabalhadores foram submetidos a cárcere privado, espancados, atacados com sprays de pimenta, tiros de bala de borracha e choques elétricos.
As empresas foram condenadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) a pagarem R$ 7 milhões, sendo R$ 2 milhões divididos entre os 207 resgatados e outros R$ 5 milhões que serão destinados a fundos ou entidades definidas pelo MPT. Os trabalhadores também estão livres para processar individualmente as empresas. Caso as vinícolas descumpram o prazo para pagamento, ainda sofrerão 30% de multa sobre o valor e juros de 1% ao mês. O valor não contabiliza as verbas rescisórias pagas pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda. – empresa responsável pela contratação e que prestava serviços às vinícolas.
Em fevereiro deste ano, o proprietário da Fênix chegou a ser preso quando o caso foi revelado. Os bens de empresas ligadas a ele foram bloqueados pela Justiça do Trabalho, com valor limitado a R$ 3 milhões. Ele também já foi denunciado anteriormente pelo mesmo crime.
Outro caso citado na mídia foi o resgate de cinco pessoas que trabalhavam na montagem do festival Lollapalooza, em São Paulo. O MPT notificou as empresas, Time For Fun (T4F) – organizadora do festival – e a Yellow Stripe – que operava os bares do evento e foi responsável pela contratação terceirizada dos funcionários. Durante a vistoria, os auditores constataram que os trabalhadores dormiam no chão ou em papelões e pallets no local de trabalho, sem energia elétrica, papel higiênico e equipamentos de proteção (EPIs), além de cumprirem jornadas de até 12 horas diárias. Após o episódio, a T4F rescindiu o contrato com a Yellow Stripe alegando descumprimento de regras. Os trabalhadores receberam as verbas rescisórias e horas extras conforme determinação do MPT, totalizando cerca de R$ 10 mil. O MPT ainda pode entrar com ação para pedir indenização às vítimas.
Em ambos os casos, as marcas denunciadas utilizaram empresas terceirizadas para realizar as contratações, sofrendo problemas sérios de reputação, além do grande custo financeiro. Isso poderia ter sido evitado se houvesse uma assessoria jurídica adequada para acompanhar estes processos e, principalmente, avaliar e auditar empresas prestadoras de serviço, antes mesmo da negociação. É fundamental se aliar somente a parceiros que tenham os mesmos valores que a sua empresa e que mantenham suas atividades sempre dentro da Lei. Trabalho escravo é muito sério!
No caso das vinícolas, por exemplo, as três cancelaram o contrato com a Fênix, alegando desconhecimento do caso e descumprimento das regras. Porém, alguns de seus fornecedores, tais como, Carrefour e Pão de Açúcar, são signatários do Pacto pela erradicação do trabalho escravo no Brasil, que determina a não relação comercial com empresas que integram o cadastro de responsabilizados por trabalho análogo à escravidão. A rede de supermercados Zona Sul, situada no Rio de Janeiro, por exemplo, anunciou a retirada dos produtos da Aurora das suas prateleiras. Se condenadas no âmbito administrativo, as vinícolas integrarão esta lista por dois anos.
Já a T4F recebeu uma ação protocolada na Justiça Paulista como medida cautelar, baseada no Decreto nº 9.571/2018 para impedimento da realização das próximas edições do Lollapalooza até que a empresa tenha reparado o dano e comprove a adoção de medidas para impedir reincidências. Em 2018, a empresa já havia sido denunciada por utilizar mão de obra de pessoas em situação de rua, sem formalização contratual e submetidos a jornadas de 12 horas por R$ 40 a R$ 50 por dia. Além disso, a empresa que distribuiria lanches no backstage do evento em 2023, rompeu o contrato com o festival “por questões de princípios e coerência”.
Como informei lá no início deste artigo, diversos parlamentares estão engajados a elevar as penalidades para trabalhos análogos à escravidão e aumentar o pagamento das vítimas. Entre elas, estão a PL 3168/21, que pretende ampliar, de três para seis, o número de parcelas do seguro-desemprego pagos aos resgatados; e a PL 743/23 que visa classificar a escravidão como crime hediondo.
Por fim, também existe o Sistema Ipê, um formulário para denúncias sigilosas em casos de trabalhos análogos à escravidão, que são encaminhadas ao Ministério da Economia. Ou seja, o “cerco apertou”. Se você tem uma empresa e não sabe quais as condições de trabalho dos seus contratados, consulte imediatamente um advogado de confiança. Assim, você evita penalidades e também que a sua marca seja exposta negativamente no mercado.
Ficou com alguma dúvida? Nós da Maragno Advogados teremos prazer em lhe ajudar. Entre em contato.
Artigo escrito por: Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados