O diagnóstico de neoplasia maligna (câncer) é, sem dúvida, um divisor de águas na vida de qualquer pessoa. Em meio à tempestade de emoções e incertezas, surge a necessidade de compreender e reivindicar os direitos que garantem o acesso a um tratamento digno e de qualidade, além de suporte emocional e financeiro durante todo o processo.
Neste artigo, embarcaremos em uma jornada profunda pelos direitos dos pacientes com câncer, com atenção especial ao de mama, desvendando os benefícios disponíveis no Brasil. A saber, o câncer de mama não atinge unicamente as mulheres. Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer), homens também desenvolvem o problema e estima-se que a incidência nesse grupo representa cerca de 1% de todos os casos da doença no país. No que tange à reconstrução mamária, não há distinção de gênero perante a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O direito se estende a pacientes do sexo masculino em caso de necessidade, desejo do paciente e indicação médica.
Confira abaixo as principais leis e alguns procedimentos que defendem e ajudam pacientes acometidos pelo câncer, seja de mama seja ou outro tipo:
Mamografia: Toda mulher, a partir de 40 anos de idade, tem direito à realização de mamografia, de acordo com a Lei nº 11.664/2008.
Lei dos 60 Dias: O paciente com câncer tem direito de iniciar o tratamento, no Sistema Único de Saúde (SUS), num prazo de até 60 (sessenta) dias, conforme a Lei nº 12.732/2012, contados a partir do dia do laudo do diagnóstico.
Cirurgia de reconstrução de mama: Todo paciente que, em virtude do câncer, teve uma ou ambas as mamas amputadas ou mutiladas, tem direito a essa cirurgia pelo SUS ou plano de saúde privado, sendo necessária a recomendação do seu médico. A Lei nº 9.797/1999, alterada pela Lei nº 12.802/2013, estabelece que beneficiários que sofrerem mutilação total ou parcial de mama, decorrente de câncer, têm direito a cirurgia plástica reconstrutiva, por meio do SUS. Além disso, a Lei também dispõe sobre realizar a reconstrução de mama na própria intervenção cirúrgica para mastectomia. Não sendo possível neste momento, o paciente terá garantida a realização da cirurgia imediatamente após alcançar as condições clínicas requeridas.
Medicamentos: A Constituição Federal, no art. 196, preconiza o Direito à Saúde de forma integral e igualitária, que deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem reduzir o risco da doença. O acesso a medicamentos de alto custo é garantido por um programa do Ministério da Saúde. Os remédios fornecidos geralmente são de uso contínuo e utilizados em nível ambulatorial no tratamento de doenças crônicas e raras. Sendo assim, a operadora não poderá limitar a quantidade de medicamentos usada pelo paciente. Ele terá direito ao volume prescrito pelo médico, enquanto durar o tratamento.
Procuração: Por ser o câncer uma doença que pressupõe tratamento prolongado e, por vezes, limitador da atividade física, é recomendável, em algumas situações, que constitua uma procuração para designar alguém de confiança para representá-la(o) em atos da vida civil.
Plano de Saúde: Os planos de saúde são obrigados a cobrir as despesas com tratamento oncológico ambulatorial e hospitalar, tais como quimioterapia, radioterapia e cirurgias, observadas as condições e cobertura do tipo de plano contratado. Destaca-se que para o câncer detectado após assinatura do contrato não há carência. Os planos de saúde são obrigados a fornecer os medicamentos antineoplásicos orais para uso domiciliar e para o controle de efeitos adversos relacionados à quimioterapia. A quimioterapia coberta pelo Plano de Saúde deve ser feita em caráter domiciliar, se houver recomendação médica a respeito. Aplicam-se aos Planos de Saúde a Lei dos Planos de Saúde – Lei nº 9.656/1998, Lei n° 12.880/2013 e o Código Brasileiro do Consumidor – Lei 8.078/1990.
Prioridade na tramitação de processos: De acordo com a Lei Federal nº 12.008/2009, ao paciente de câncer poderá obter a prioridade na tramitação de processos, tanto judiciais quanto administrativos, com o respectivo laudo médico, junto à autoridade judiciária ou administrativa competente.
Auxílio-Doença: A pessoa com câncer terá direito ao benefício desde que tenha qualidade de segurado, pela Lei nº 8.213/1991. Pelo câncer, é dispensado o cumprimento de carência para que o(a) trabalhador(a) faça jus ao benefício, desde que as contribuições tenham sido realizadas anteriormente ao diagnóstico. Consulte o site www.mpas.gov.br para saber mais sobre as carências específicas e perícias.
Afastamento do trabalho: É um direito do(a) trabalhador(a), desde que comprovada a necessidade através de um atestado médico.
Licença para tratamento de saúde: É um direito assegurado aos servidores públicos quando estes ficam temporariamente incapacitados para o trabalho, em virtude de adoecimento, a ser comprovado por perícia médica. Também há a Licença por Motivo de Doença em Pessoa da Família, assegurada aos servidores públicos por motivo de adoecimento de familiares e/ou dependentes, desde que comprovada por meio de perícia. Os familiares e/ou dependentes compreendidos para fins desta licença serão definidos de acordo com legislação da esfera pública à qual o servidor esteja vinculado.
Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC): Garante renda de um salário-mínimo mensal ao idoso com sessenta e cinco anos ou mais e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo. Trata-se de um benefício instituído pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas). para ter direito ao benefício, outro critério fundamental é de que a renda per capita familiar seja inferior a 1/4 do salário-mínimo (Para esse cálculo, considera-se o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e os enteados solteiros e os menores tutelados, desde que todos vivam no mesmo domicílio). Consulte sobre os critérios específicos para este benefício, cuja concessão é avaliada e operacionalizada pelo INSS.
Aposentadoria por invalidez: É um direito previsto no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos. A aposentadoria por invalidez é concedida a partir da solicitação de auxílio-doença, desde que a incapacidade para o trabalho seja considerada definitiva e atestada pela perícia médica do INSS. A pessoa com câncer terá direito ao benefício, independente do pagamento de 12 contribuições ao INSS, desde que esteja na qualidade de segurado.
Interdição: A interdição (ou curatela) é uma medida – mais ampla que uma procuração com plenos poderes -, destinada àqueles que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Se o paciente não for interditado, todos os atos praticados por ele serão válidos, ao passo que, se ele for interditado, seus atos serão nulos. A procuração, por sua vez, não tem esse “poder”, apenas confere ao representante o direito de atuar dentro dos limites a ele conferidos na procuração, geralmente relacionados à administração do patrimônio e assinatura de documentos.
Prioridade de atendimento em estabelecimentos comerciais: O artigo 2º da Lei nº 10.048/2000 e atualizada para a Lei nº 14.626/2023, assegura aos portadores de deficiência física, aos idosos, às gestantes e lactantes, às pessoas com criança de colo e aos obesos, o atendimento prioritário em repartições públicas, bancos e empresas concessionárias de serviços públicos. Se for do interesse do paciente com câncer, é possível requerer a prioridade em ação judicial, pois entende-se que o termo “pessoas com deficiência” se estende às pessoas em tratamento de câncer.
Passe Livre: Garante a pessoas com deficiência e comprovadamente carentes o acesso gratuito ao transporte coletivo. Municipal: O direito é sempre decorrente de lei municipal. Terá direito o portador de câncer que apresente, em função da doença, alguma incapacidade que limite seus movimentos para locomoção. Intermunicipal: Destinado a pessoas com deficiência e com renda familiar de até um salário-mínimo a transitar sem custos nos ônibus intermunicipais do Estado. A concessão deste Passe Livre depende de legislação específica de cada Estado. Interestadual: Pela Lei Federal nº 8.899/94, têm direito ao Passe Livre portadores deficientes comprovadamente carentes, com renda familiar mensal per capita de até um salário-mínimo.
Tratamento Fora de Domicílio (TFD) no SUS: TFD é um programa normatizado pela Portaria nº 55, da Secretaria de Assistência à Saúde, de 24/02/1999, que garante o acesso de pacientes moradores de um município a serviços assistenciais em outro município, ou ainda de um Estado para outro Estado. O TFD pode envolver a garantia de transporte, hospedagem e ajuda de custo para alimentação, quando indicado, e é concedido, exclusivamente, aos pacientes atendidos na rede pública e referenciada.
Isenção do Imposto de Renda (IRPF): Pacientes com câncer estão isentos do IRPF retido na fonte relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma e pensão, inclusive as complementações. Mesmo os rendimentos de aposentadoria ou pensão recebidos acumuladamente não sofrem tributação, permanecendo isento o doente de câncer que os recebeu, de acordo com o previsto na Lei nº 7.713/1988, art. 6º, XIV.
O paciente que atender os requisitos para isenção do IRPF pode requerer, junto à Receita Federal, a restituição dos valores descontados nos últimos cinco anos. Para receber, o paciente deverá comprovar que, durante aquele período, preenchia os requisitos para obtenção do benefício. A Lei nº 11.765/2008 confere prioridade ao idoso (mais de 60 anos) no recebimento da restituição.
Saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): O FGTS pode ser retirado pelo trabalhador que tiver câncer, AIDS ou que esteja em estágio terminal de outras doenças. Também pode ser sacado pelo titular da conta que possuir dependentes – esposo(a), companheiro(a), pais, sogros, filho e irmão menor de 21 anos ou inválido – portadores daquelas doenças (Lei nº 8.922/1994), em uma agência da Caixa Econômica Federal.
Saque do Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep): O saque pode ser realizado pelo paciente ou pelo trabalhador que possuir dependente com câncer, desde que na fase sintomática da doença (Resolução nº 1, de 15/10/96 Conselho Diretor do Fundo de participação do PIS/Pasep). O PIS pode ser retirado na Caixa Econômica Federal e o Pasep no Banco do Brasil, pelo trabalhador cadastrado no PIS/ Pasep antes de 04 de outubro de 1988. Para informações sobre FGTS e PIS/Pasep, é sempre importante consultar o site: www.cef.gov.br.
Isenção de impostos para aquisição de veículos adaptados: O portador de câncer tem direito à aquisição e uso de veículos adaptados com isenção de impostos, desde que cumpra as exigências legais. É possível requerer isenção de IPI, ICMS, IPVA E IOF. A maioria dos Estados já concedem estas isenções, porém, cada qual tem a sua própria legislação. Confira na lei do seu Estado se existe a regulamentação para isentar os veículos especialmente adaptados e adquiridos por deficientes físicos.
Isenção de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU): Alguns municípios preveem, em sua Lei Orgânica, isenção do IPTU para pessoas portadoras de doença crônica, segundo critérios estabelecidos por cada prefeitura. Confira se você tem direito a esse benefício diretamente na prefeitura da sua cidade. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, não prevê a isenção para portadores de câncer.
Quitação de financiamento da casa própria: É possível a quitação do financiamento imobiliário pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), considerando que o adquirente, ao realizar o financiamento, contrata um seguro obrigatório que garante a quitação do valor correspondente ao saldo devedor do financiamento, em caso de invalidez ou morte.
Testamento Vital: É um documento que expressa a vontade e o desejo do paciente de não ser submetido – ou mesmo suspender – determinados procedimentos médicos e tratamentos, considerados fúteis e prolongadores do sofrimento em casos de doenças consideradas terminais ou de doenças crônicas incuráveis. No Brasil, ainda não há uma lei específica que normatize a questão do Testamento Vital, porém, é possível afirmar que os direitos garantidos pela Constituição Federal brasileira, como princípio da Dignidade de Pessoa Humana (art. 1, inciso III) e o Direito à Liberdade de Ação (art. 5, inciso II), assim como a Resolução n° 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina, dão legitimidade ao documento do ponto de vista ético e legal.
Nosso objetivo na Maragno Advogados é divulgar os direitos dos portadores de câncer e capacitar portadoras de câncer de mama – Vitoriosas, assim denominadas as pacientes que superaram a doença – a conhecerem, exercerem e disseminarem seus direitos. Esperamos que este artigo sirva de instrumento para a conquista de direitos de todos os pacientes, para que saibam que estão amparados por diversas leis que defendem seus interesses e prezam por seu bem-estar, mesmo em um momento tão sensível.
É uma preocupação da nossa equipe garantir que você tenha acesso a todas as informações que necessita para o tratamento. Se você ainda ficou com dúvidas sobre a legislação vigente ou como ter acesso a todos estes benefícios, procure um advogado especializado do Direito da Saúde.
*Parte deste texto foi retirado e adaptado da cartilha de orientações sobre os Direitos Sociais da Pessoa com Câncer, do INCA, 2022.
Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.