O mês de fevereiro, na área da saúde conhecido como “Fevereiro Roxo e Laranja”, oferece uma oportunidade para discutir temas importantes no âmbito do Direito da Saúde. Este período é dedicado à conscientização sobre Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DNCT) e à promoção de políticas públicas eficazes que garantam os direitos dos pacientes.
O que são Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DNCT)?
Entende-se por DCNT são condições de saúde de longa duração e progressão geralmente lenta, que não são causadas por agentes infecciosos e, portanto, não podem ser transmitidas entre pessoas. Essas doenças são responsáveis por uma grande parte das mortes e incapacidades no mundo. As DCNT demandam de tratamento contínuo e tem impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. Diferentemente das doenças agudas, que têm um início súbito e curta duração, as doenças crônicas exigem cuidados de longo prazo e, em muitos casos, não têm cura, mas podem ser controladas. Alguns exemplos de doenças crônicas são Alzheimer, fibromialgia, obesidade, lúpus, doença renal, leucemia e muitas outras.
O portal Observatório da Saúde Pública, uma iniciativa da Umane (uma plataforma que reúne dados, análises e pesquisas sobre saúde no Brasil de 16 bases de dados, como o SINASC, SIA, SIM, CNES, Painel Oncologia, Vigitel e outras fontes relevantes), oferece o panorama nacional mais recente da mortalidade no Brasil. Os dados de 2022 mostram que a cada 100 mil habitantes em todos os municípios do país, 305,7 tiveram morte prematura (de 30 a 69 anos) devido a alguma DCNT como causa principal.
No gráfico abaixo, podemos ver a distribuição dos óbitos por sexo, em que houve predominância de óbitos do sexo masculino em relação ao feminino no período analisado.
Quando observamos o número de óbitos por faixas etárias, temos a representação abaixo, em que o gráfico ilustra que a mortalidade no Brasil em 2022 se concentrou em indivíduos com idade mais avançada, especialmente acima de 65 anos, e que em todas as faixas etárias, o número de óbitos masculinos é superior ao feminino.
O artigo 196 da Constituição Federal estabelece a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Esse artigo é a base legal que assegura o direito à saúde para todos os brasileiros, incluindo pacientes com doenças crônicas, e impõe ao Estado a obrigação de garantir acesso universal, integral e igualitário aos serviços de saúde.
O que o artigo 196 da Constituição Federal significa para pacientes com doenças crônicas?
Acesso Universal e Igualitário: Pacientes com doenças crônicas têm direito a atendimento médico, medicamentos, tratamentos e acompanhamento contínuo, sem discriminação ou barreiras socioeconômicas. Isso se aplica tanto ao Sistema Único de Saúde (SUS) quanto aos planos de saúde privados, que devem seguir as diretrizes constitucionais;
Dever do Estado: O Estado é responsável por garantir políticas públicas que atendam às necessidades de pacientes crônicos, como o fornecimento de medicamentos, programas de prevenção e controle de doenças, e a estruturação de serviços de saúde adequados;
Redução de Riscos e Promoção da Saúde: O artigo 196 reforça a importância de políticas preventivas, como campanhas de conscientização, diagnóstico precoce e acompanhamento contínuo, essenciais para o controle de doenças crônicas;
Integralidade do Cuidado: O atendimento a pacientes crônicos deve ser integral, abrangendo desde a prevenção até o tratamento e a reabilitação, garantindo uma abordagem completa e contínua, e
Financiamento e Recursos: O Estado deve destinar recursos financeiros e estruturais para garantir o cumprimento desse direito, incluindo a manutenção do SUS e a regulamentação dos planos de saúde privados.
Assim, na prática, artigo 196 da Constituição Federal estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantindo acesso universal e igualitário aos serviços necessários para prevenção, tratamento e controle das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs). Tanto o SUS quanto os planos de saúde privados devem assegurar aos pacientes os seguintes serviços essenciais:
Consultas e Acompanhamento Médico:
- Atendimento com especialistas (cardiologista, endocrinologista, pneumologista, reumatologista, etc.).
- Acompanhamento multidisciplinar (nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional).
- Monitoramento contínuo em Unidades Básicas de Saúde (SUS) ou hospitais da rede privada.
Exames e Diagnósticos:
- Exames laboratoriais e de imagem, incluindo glicemia, colesterol, hemoglobina glicada, eletrocardiograma, ecocardiograma, tomografia e ressonância magnética.
- Testes específicos para controle e monitoramento de doenças respiratórias (espirometria), cardiovasculares (MAPA, Holter) e metabólicas.
Medicamentos e Tratamentos:
- Medicamentos gratuitos pelo SUS (exemplo: insulina para diabéticos, anti-hipertensivos, broncodilatadores para asma/DPOC).
- Cobertura de medicamentos pelos planos de saúde, incluindo biológicos e de alto custo para doenças autoimunes e câncer.
- Terapias específicas, como fisioterapia e reabilitação cardiovascular/pulmonar.
Internações e Procedimentos Hospitalares:
- Internação e cirurgias quando necessárias, incluindo procedimentos para controle da doença (exemplo: cirurgia bariátrica para obesidade severa).
- Home care e suporte domiciliar para pacientes com limitações graves.
- Tratamento intensivo e reabilitação pós-AVC e outras condições crônicas debilitantes.
Programas de Prevenção e Acompanhamento Contínuo:
- Programas de controle de hipertensão e diabetes pelo SUS (ex: Hiperdia).
- Campanhas de vacinação para grupos de risco (gripe, pneumonia).
- Acompanhamento psicológico e suporte para mudanças de estilo de vida, incluindo cessação do tabagismo e controle da obesidade.
Os pacientes com DCNTs têm o direito constitucional ao tratamento completo, incluindo atendimento médico, exames, medicamentos, terapias e internações, tanto pelo SUS quanto pelos planos de saúde privados. Mas apesar do amparo constitucional, muitos pacientes ainda enfrentam dificuldades, como falta de medicamentos, filas de espera e desassistência. A efetivação plena do artigo 196 depende de políticas públicas consistentes, investimento adequado e fiscalização.
A Lei dos Planos de Saúde (Lei nº. 9.656/1998) também estabelece diversas garantias para pacientes com doenças crônicas, assegurando o acesso a tratamentos contínuos e preventivos, essenciais para quem convive com essas condições.
Um dos principais mecanismos que garante esses direitos é a cobertura obrigatória. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define que os convênios particulares são obrigados a cobrir tratamentos para doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, asma e outras.
Outro ponto importante desta legislação é proibir que planos de saúde imponham limites financeiros (como coparticipação excessiva) ou de cobertura (como número máximo de consultas ou exames) para pacientes com doenças crônicas, a fim de que os beneficiários tenham acesso contínuo aos tratamentos necessários sem restrições abusivas.
A Lei nº. 9.656/1998 também dispõe sobre a proibição de cancelamento ou reajuste por motivo de saúde. Ou seja, é vedado aos convênios particulares cancelar contratos ou aumentar valores com base no estado de saúde do paciente, incluindo o diagnóstico de doenças crônicas, para evitar a discriminação de pacientes que necessitam de cuidados prolongados. Em caso de mudança de plano ou operadora, o paciente com doença crônica tem direito à continuidade do tratamento, sem interrupção dos cuidados médicos.
Com relação ao acesso a medicamentos e procedimentos específicos, a Lei dos Planos de Saúde preconiza que usuários portadores de doenças crônicas têm direito a medicamentos e procedimentos essenciais para o controle e tratamento de suas condições, como por exemplo: insulina para diabéticos, medicamentos para hipertensão e terapias para doenças autoimunes.
A ANS publica periodicamente o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os tratamentos e medicamentos que devem ser oferecidos pelos planos, incluindo aqueles para doenças crônicas. Essas atualizações constantes são absolutamente necessárias para incluir novos tratamentos e tecnologias.
Muitas DCNT exigem medicamentos de alto custo, e a garantia do fornecimento desses medicamentos pelo Estado, via SUS, ou pelos planos de saúde. Questões como a inclusão de medicamentos em listas do SUS e a cobertura de medicamentos não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) são frequentemente debatidas, levando à judicialização da saúde, onde pacientes recorrem ao sistema judiciário para obter medicamentos. Leia mais sobre este assunto em nosso artigo “A Cobertura Obrigatória de Medicamentos de Alto Custo pelos Planos de Saúde”.
Vale lembrar, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também estabelece normas de proteção e defesa de pessoas com DCNT. Após a promulgação da Lei nº. 9.656/1998, que passou a regulamentar os planos privados de assistência à saúde, o CDC é aplicado de forma complementar às relações de consumo entre operadoras e beneficiários, com regras específicas para o funcionamento dos convênios, como prazos de carência, cobertura mínima de procedimentos e reajustes de mensalidades. Veja nossa publicação mais recente sobre este assunto, no artigo “Código de Defesa do Consumidor Aplicado a Planos de Saúde”.
Campanhas de saúde pública, como a do Fevereiro Roxo e Laranja, desempenham um papel crucial na disseminação de informações sobre prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e também da conscientização de que a busca por uma assessoria jurídica pode ser decisiva para fazer valer os direitos dessa parcela da população.
A judicialização da saúde intervém a fim de que os pacientes recebam o cuidado a que têm direito para manter sua qualidade de vida. Apesar das garantias legais, muitos pacientes ainda enfrentam dificuldades, como negativa de cobertura, burocracia e falta de atualização do Rol de Procedimentos. Por isso, é essencial que os pacientes conheçam seus direitos e busquem apoio jurídico ou da ANS quando necessário.
A complexa regulamentação da saúde é um desafio que contribui – e muito – para a insatisfação de portadores de doenças crônicas. Caso você, ou alguém que você conheça, tenha dúvidas ou dificuldades sobre as operadoras e o sistema de saúde como um todo, entre em contato com um advogado de sua confiança do Direito da Saúde. A negativa de qualquer desses serviços pode ser contestada judicialmente, garantindo a efetividade do direito à saúde. Não permita que este obstáculo impeça seu acesso aos tratamentos que você merece.
Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.
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