A tokenização de ativos está se tornando uma prática consolidada no mercado financeiro e empresarial, permitindo maior acessibilidade a investimentos e viabilizando novos modelos de negócios. Contudo, para que a tokenização seja eficaz, segura e sustentável, é imprescindível estabelecer estruturas de governança sólidas.
Uma governança bem estruturada garante transparência, segurança e conformidade regulatória, mitigando riscos e fortalecendo a confiança dos investidores. Este artigo aborda os principais elementos dessa governança e seu papel fundamental para o desenvolvimento saudável do mercado de tokens.
A Importância da Governança na Tokenização
A governança de tokens compreende o conjunto de regras, processos e mecanismos destinados a garantir a gestão eficiente dos tokens e dos ativos subjacentes. Uma estrutura clara e bem definida é essencial para fortalecer a confiança dos investidores, assegurar a integridade do mercado e garantir a conformidade com as regulamentações vigentes, como a Resolução CVM 88.
A ausência de um modelo robusto de governança pode resultar em insegurança jurídica, fraudes, falta de transparência e potenciais sanções regulatórias. Para evitar tais problemas, é necessário adotar princípios sólidos de governança e seguir as melhores práticas do mercado.
Elementos Essenciais da Governança de Tokens
💠 Transparência
A transparência é um dos pilares essenciais da governança de tokens. Investidores e stakeholders devem ter acesso a informações claras e auditáveis sobre os tokens, incluindo:
Informações sobre os ativos subjacentes: Os investidores devem ter acesso a dados claros e verificáveis sobre os bens ou direitos que servem de lastro para os tokens emitidos. Isso inclui a descrição detalhada do ativo subjacente (como imóveis, recebíveis, commodities ou participação societária), sua avaliação de mercado, eventuais garantias associadas, riscos envolvidos e a estrutura jurídica da operação. No caso de tokens de investimento regulados pela CVM, é essencial fornecer informações periódicas sobre o desempenho do ativo e sua governança.
Direitos conferidos aos detentores de tokens: Deve estar claramente estabelecido quais direitos são atribuídos aos titulares dos tokens, como participação nos rendimentos do ativo tokenizado, regras para resgate e conversão, e eventuais restrições à transferência. Os tokens podem conferir direitos patrimoniais, como distribuição de fluxos financeiros, mas não conferem, via de regra, direitos políticos ou administrativos sobre a empresa emissora. A definição desses direitos impacta diretamente a classificação regulatória do token e sua adequação às normas da CVM, Banco Central e Receita Federal.
Regras de emissão, negociação e liquidação: A emissão de tokens deve seguir um modelo estruturado, especificando o volume total emitido, critérios de distribuição e eventual possibilidade de novas emissões. Para tokens classificados como valores mobiliários, a Resolução CVM 88 estabelece requisitos específicos para oferta pública. Além disso, regras claras devem ser definidas para a negociação secundária, garantindo que as transações ocorram em plataformas autorizadas, quando aplicável. A liquidação – processo que finaliza a transferência de tokens e valores financeiros – deve ser segura e eficiente, podendo ser automatizada por smart contracts, reduzindo riscos operacionais e aumentando a transparência.
A tecnologia blockchain desempenha um papel crucial nesse aspecto, garantindo um registro imutável e acessível de todas as transações. Além disso, auditorias regulares e relatórios de conformidade reforçam a confiabilidade do mercado;
💠 Segurança
A segurança é um pilar essencial da governança de tokens, abrangendo a proteção contra ataques cibernéticos, fraudes e falhas operacionais que possam comprometer a integridade do ecossistema digital. Como os tokens são representações digitais de ativos, qualquer vulnerabilidade pode expor investidores e emissores a riscos significativos, como roubo de chaves privadas, falhas em smart contracts e manipulação de mercado.
Para garantir um ambiente seguro, é fundamental a adoção das seguintes medidas de proteção:
- Criptografia avançada: Implementação de algoritmos robustos para proteger dados e transações, garantindo que apenas partes autorizadas tenham acesso a informações sensíveis;
- Auditorias regulares de smart contracts: Verificação contínua do código-fonte dos contratos inteligentes para identificar e corrigir vulnerabilidades antes que possam ser exploradas por agentes mal-intencionados. Auditorias independentes aumentam a confiabilidade da estrutura tecnológica;
- Protocolos de recuperação e gerenciamento de riscos: Estabelecimento de estratégias para mitigar impactos em caso de falhas técnicas ou ataques, incluindo planos de resposta a incidentes, backup de chaves privadas e implementação de medidas de contingência para evitar perda de ativos, e
- Monitoramento contínuo e resposta a ameaças: Adoção de ferramentas de segurança cibernética que monitoram atividades suspeitas em tempo real e permitem ações rápidas para mitigar ataques.
Além dessas medidas, é essencial educar os investidores e usuários sobre as melhores práticas de segurança, como o uso de carteiras digitais seguras, a importância do armazenamento offline (cold wallets) para ativos de longo prazo e a necessidade de evitar compartilhamento de credenciais. A conscientização é um dos principais fatores para evitar perdas decorrentes de phishing, golpes e erros humanos, garantindo um ambiente de tokenização mais confiável e resiliente;
💠 Conformidade Regulatória
A conformidade regulatória é essencial para a legitimidade e a viabilidade jurídica dos projetos de tokenização. Empresas que atuam nesse setor devem observar normas específicas, como a Resolução CVM 88, que regula ofertas públicas de tokens de investimento no Brasil. Além disso, devem atender a exigências como:
- Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT): A rastreabilidade das transações é essencial para evitar que tokens sejam utilizados em esquemas ilícitos, como lavagem de dinheiro e financiamento de atividades criminosas. A legislação brasileira exige que prestadores de serviços de ativos virtuais (PSAVs) adotem mecanismos de conheça seu cliente (KYC – Know Your Customer) e monitoramento de transações para identificar movimentações suspeitas para mitigação de riscos financeiros;
- Proteção ao investidor: A transparência na oferta e negociação de tokens é um requisito fundamental para garantir a segurança jurídica dos investidores. Isso inclui a divulgação de informações completas e precisas sobre o ativo subjacente, os riscos envolvidos, os direitos conferidos pelos tokens e a estrutura regulatória da operação. No caso de tokens classificados como valores mobiliários, a Resolução CVM 88 exige que emissores prestem informações periódicas aos investidores e sigam regras específicas de governança, mitigando riscos de assimetria informacional e fraudes, e
- Obrigações contábeis e fiscais: Empresas que operam com tokenização devem seguir as normativas da Receita Federal e do Banco Central para a correta contabilização e tributação dessas operações. Dependendo da natureza do token, ele pode ser classificado como ativo financeiro, contrato derivativo, crédito securitizado ou bem intangível, o que impacta diretamente a tributação aplicável.
Empresas que não adotarem boas práticas de conformidade podem enfrentar sanções administrativas e financeiras impostas pelos órgãos reguladores, além de perderem credibilidade no mercado. A falta de compliance pode dificultar a captação de recursos e a listagem dos tokens em plataformas regulamentadas, limitando o acesso a investidores institucionais e impactando diretamente a liquidez do ativo. Para entender a principal regulamentação do crowdfunding de investimento no Brasil, a Resolução CVM 88, acesse nosso artigo “Como a Resolução CVM 88 está revolucionando o mercado de capitais”, e
💠 Participação dos Stakeholders
A participação ativa dos stakeholders é um elemento essencial para a governança eficaz de tokens, pois garante maior legitimidade, transparência e segurança ao ecossistema de tokenização. Esse envolvimento inclui diversos agentes do mercado que desempenham papéis distintos na estruturação, regulação e funcionamento dos tokens:
- Investidores: São os detentores dos tokens e principais interessados no sucesso do projeto. Devem ter acesso a informações completas sobre os ativos subjacentes, os riscos envolvidos e os direitos conferidos pelos tokens. A governança deve prever mecanismos para proteger seus interesses e evitar assimetria informacional;
- Desenvolvedores do projeto: Responsáveis pela criação da infraestrutura tecnológica dos tokens, incluindo smart contracts, mecanismos de segurança e integração com redes blockchain. A transparência na programação e auditorias regulares são fundamentais para garantir a confiabilidade dos tokens;
- Reguladores e órgãos fiscalizadores: A CVM, o Banco Central e a Receita Federal desempenham papéis essenciais na supervisão do mercado de tokens, garantindo que os projetos estejam em conformidade com a legislação vigente. Empresas que não cumprem as normas regulatórias podem sofrer sanções administrativas e restrições operacionais;
- Empresas e plataformas do ecossistema de tokenização: Incluem exchanges, plataformas de crowdfunding, agentes custodiantes e empresas especializadas na intermediação de ativos tokenizados. Essas entidades devem seguir padrões rígidos de compliance para garantir a segurança das transações e a proteção dos investidores.
A adoção de mecanismos descentralizados de governança, como Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs), pode ser uma alternativa viável para ampliar a participação dos stakeholders na tomada de decisões estratégicas. No entanto, esses modelos ainda enfrentam desafios regulatórios e jurídicos, especialmente em relação à responsabilidade legal dos participantes e à fiscalização por órgãos governamentais.
Uma governança bem estruturada e participativa reduz riscos de conflitos de interesse, aumenta a confiança dos investidores e promove um ambiente de tokenização mais seguro e sustentável.
O Papel da Regulação na Tokenização: Lei nº 14.478/2022 e o Banco Central
A Lei nº 14.478/2022 estabelece diretrizes para a regulamentação dos ativos virtuais e a supervisão das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) no Brasil. O objetivo da lei é criar um ambiente regulatório claro e seguro para operações envolvendo criptoativos, reduzindo riscos como fraudes, lavagem de dinheiro e manipulação de mercado.
O Banco Central foi designado como regulador infralegal do setor, sendo responsável por definir regras específicas para a autorização e operação de empresas que oferecem serviços relacionados a ativos virtuais. No final de 2024, a autarquia lançou consultas públicas sobre três temas fundamentais:
💠 Regime de autorização das empresas do setor: Estabelecendo requisitos para que plataformas de negociação, custódia e intermediação de tokens operem legalmente no Brasil;
💠 Critérios de incidência regulatória: Definindo quais ativos digitais e serviços estarão sujeitos à supervisão do Banco Central, e
💠 Deveres e obrigações das empresas do setor: Incluindo regras de compliance, governança e prevenção à lavagem de dinheiro (PLD/FT).
Resolução CVM 88 e a Oferta Pública de Tokens
A Resolução CVM 88 regula a oferta pública de tokens de investimento via crowdfunding, estabelecendo requisitos para emissores, plataformas intermediárias e investidores. Essa norma é especialmente relevante para startups e empresas que buscam captar recursos por meio da tokenização, dentro de um ambiente regulado.
Entre os principais pontos da resolução, destacam-se:
💠 Limites de captação para emissores: Empresas podem captar até R$ 15 milhões por ano, desde que cumpram os requisitos estabelecidos pela CVM;
💠 Obrigações de divulgação de informações: Os emissores devem fornecer relatórios periódicos sobre o desempenho do projeto, a governança e os riscos envolvidos;
💠 Direitos dos investidores e responsabilidades das plataformas: As plataformas intermediárias são responsáveis por garantir que as ofertas atendam às exigências regulatórias e que os investidores tenham acesso a todas as informações necessárias para tomada de decisão.
Empresas que desejam captar recursos via tokenização de valores mobiliários precisam estar em conformidade com a Resolução CVM 88, garantindo que os tokens emitidos sigam os requisitos de transparência, segurança e prestação de informações. A não observância dessas regras pode resultar em sanções administrativas e proibição de oferta pública de tokens.
A governança de tokens desempenha um papel central na segurança jurídica, transparência e confiabilidade dos projetos de tokenização. Ao estabelecer estruturas sólidas de governança, as empresas podem mitigar riscos regulatórios, atrair investidores e garantir a sustentabilidade do mercado de ativos digitais.
Com a evolução da regulamentação no Brasil, o compliance com as normas da CVM, do Banco Central e da Receita Federal será cada vez mais determinante para o sucesso das operações de tokenização. Empresas que buscam utilizar tokens como forma de captação de recursos devem garantir adequação regulatória, proteção aos investidores e adoção das melhores práticas do mercado.
Se você deseja explorar a tokenização para financiar seu negócio, procure uma assessoria especializada para garantir conformidade jurídica e estruturar um projeto seguro e eficiente dentro das normas vigentes.
Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.
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