O Brasil é um dos principais players do agronegócio global. O setor é responsável por cerca de 24,4% do PIB brasileiro em 2023 e emprega 27% da População Ocupada (PO) atualmente no Brasil.
No entanto, o agronegócio enfrenta uma série de desafios! Dentre eles, destaca-se o fator climático, que pode arruinar todo um planejamento e prejudicar o desenvolvimento e os resultados. Além disso, nos últimos anos, o setor teve que lidar com obstáculos adicionais decorrentes da pandemia da COVID-19, que causaram impactos negativos na economia do país.
Foi no contexto da resposta à pandemia e nos esforços para reaquecer as atividades econômicas do setor que a Lei no. 14.112/2020 foi promulgada, alterando as Leis nos. 11.101/2005, 10.522/2002, e 8.929/1994, e trazendo uma série de benefícios para o agronegócio. Dentre eles, podemos destacar:
- A possibilidade de produtores rurais pessoas físicas entrarem com pedido de recuperação judicial;
- A criação de um plano especial de recuperação judicial para produtores rurais com faturamento de até R$ 4,8 milhões;
- A ampliação do prazo para apresentar o plano de recuperação judicial de 60 para 180 dias;
- A eliminação da exigência de que o produtor rural tenha inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) há mais de dois anos;
- A redução da taxa de administração do processo de recuperação judicial de 1% para 0,5% do valor do crédito, e
- A possibilidade de o produtor rural parcelar os débitos tributários em até 120 vezes.
Estes benefícios trazidos pela Lei no. 14112/2020 visam facilitar o acesso dos produtores rurais ao processo de recuperação judicial e reduzir os custos envolvidos. Considerando que o principal propósito da recuperação judicial é viabilizar a superação da crise econômico-financeira enfrentada pelo devedor, permitindo a continuidade da atividade produtiva, a manutenção dos postos de trabalho, a proteção dos interesses dos credores e a preservação da empresa, é evidente a importância das alterações introduzidas para que os profissionais do setor agrícola possam utilizar essa ferramenta. A seguir, vamos aprofundar alguns dos pontos citados acima.
Possibilidade de atuar como pessoa física
Uma das mudanças mais significativas consiste na permissão legal para que o produtor rural que atue como pessoa física ingresse com pedido de recuperação judicial, situação que, muito embora fosse reconhecida pela jurisprudência, não era contemplada expressamente por qualquer previsão legislativa.
No caso de quem executa atividades rurais como pessoa jurídica, o §2º do artigo 48 passa a permitir que a comprovação do cumprimento do prazo seja feita por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) ou de qualquer obrigação legal de registro contábil que venha a substituir a ECF, entregue de forma oportuna.
Já o § 3º do art. 48 traz as opções de documentação quando a atividade rural é realizada por pessoa física. Neste caso, o cálculo do período pode ser feito utilizando o Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou qualquer obrigação legal de registros contábeis que substitua o LCDPR, além da Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e o balanço patrimonial, todos entregues dentro do prazo.
Não é preciso comprovar dois anos de atuação
Agora é mais fácil para os empreendedores rurais comprovarem que estão atuando no negócio há mais de dois anos, o que era uma exigência para solicitar a recuperação judicial, de acordo com a Lei no. 11.101/05. As regras foram simplificadas, e não é mais necessário coincidir o tempo de atuação com o registro na Junta Comercial.
Essa mudança na Lei reforça o entendimento de que o período anterior ao registro na Junta Comercial também pode ser considerado ao solicitar a recuperação judicial como produtor rural (conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial REsp 1.800.032).
Recuperação judicial
O artigo 51 trata dos requisitos da petição inicial para a recuperação judicial e foi modificado pela Lei no. 14.112/2020. Uma das mudanças inclui o §6º, que estabelece os requisitos específicos para produtores rurais individuais.
Com essa adição, fica definido que os produtores rurais individuais, ao descreverem na petição inicial as razões reais de sua situação financeira e as causas da crise econômica (requisito indicado no item I do artigo 51), devem demonstrar que estão enfrentando uma situação de insolvência. Isso significa não ter recursos financeiros ou bens com liquidez suficiente para pagar suas dívidas (conforme o §6º, item I, do artigo 51).
Além disso, para os produtores rurais individuais, as exigências mencionadas no item II do artigo 51 (apresentação de balanço patrimonial, demonstração de resultados acumulados, e do resultado desde o último exercício social, relatório gerencial de fluxo de caixa e sua projeção e descrição das sociedades de grupo societário, de fato ou de direito) não se aplicam, sendo substituídas pelos documentos mencionados no § 3º do artigo 48, referentes aos últimos dois anos, conforme já mencionado anteriormente quando discorrido sobre a possibilidade de atuar como pessoa física.
Por fim, destacamos a inclusão do artigo 70-A na Lei no. 11.101/05, segundo o qual o produtor rural pessoa física poderá apresentar plano especial de recuperação judicial desde que o valor da causa não exceda a R$ 4.800.000,00.
Vale lembrar que o setor de Agronegócios possui características diferentes de outros segmentos, visto que depende da questão climática e também de crédito. O pequeno produtor, por exemplo, tem acesso limitado ao crédito, e para plantar precisa submeter-se a revendedores. Por outro lado, alguns deles não possuem terra própria necessitando pagar arrendamento, o que resulta em aumento de custo.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no período de 2020 a 2022, foram apresentados 2.803 pedidos de recuperação judicial por parte de pequenos produtores rurais. Desse total, 1.566 foram deferidos, 1.136 foram indeferidos e 101 foram extintos.
A taxa de deferimento dos pedidos de recuperação judicial de pequenos produtores rurais é de 55,5%, o que é superior à taxa de deferimento geral, de 47,5%. Isso pode ser explicado pelo fato de que a lei de recuperação judicial prevê benefícios específicos para pequenos produtores rurais, como a possibilidade de negociação de dívidas com credores trabalhistas e a exclusão de garantias reais sobre a propriedade rural.
O Estado de São Paulo concentra o maior número de pedidos de recuperação judicial de pequenos produtores rurais, com 628 pedidos no período analisado. Em seguida, aparecem os estados do Mato Grosso (323 pedidos), Minas Gerais (297 pedidos) e Paraná (269 pedidos).
Os principais motivos que levaram os pequenos produtores rurais a solicitar a recuperação judicial foram:
- Baixa rentabilidade da atividade;
- Dificuldades de acesso ao crédito;
- Variações climáticas adversas, e
- Concorrência desleal.
A recuperação judicial é uma ferramenta importante para que os pequenos produtores rurais possam superar dificuldades financeiras e continuar atuando no mercado. Em relação às empresas atuantes no Agronegócio, os números do Conselho Nacional de Justiça mostram que os pedidos de recuperação judicial aumentaram 12% em 2022, em comparação com o ano anterior. No total, foram 1.124 pedidos de recuperação judicial no Agronegócio no ano passado, totalizando um valor de R$ 20,9 bilhões. Os estados com maior número de pedidos de recuperação judicial no Agronegócio em 2022 foram:
- Mato Grosso (227 pedidos);
- Paraná (177 pedidos);
- São Paulo (126 pedidos);
- Minas Gerais (81 pedidos), e
- Goiás (78 pedidos).
Já os setores do Agronegócio com maior número de pedidos de recuperação judicial em 2022 foram:
- Pecuária (424 pedidos);
- Agricultura (349 pedidos);
- Serviços agropecuários (227 pedidos), e
- Indústria agroalimentar (124 pedidos).
As principais causas deste aumento de pedidos de recuperação judicial no agronegócio em 2022 pode ser explicado por uma série de fatores, incluindo:
- Alta dos custos de produção: os custos de produção no Agronegócio aumentaram significativamente nos últimos anos, devido a fatores como a alta dos preços dos insumos, a desvalorização do real e a escassez de mão de obra;
- Crise hídrica: a crise hídrica que atingiu o Brasil em 2021 e 2022 também teve um impacto negativo no agronegócio, afetando a produção de culturas como soja, milho e algodão, e
- Impactos da pandemia: a pandemia de COVID-19 também teve um impacto negativo no agronegócio, afetando a demanda por produtos agrícolas e a cadeia de suprimentos.
O cenário econômico e climático para o agronegócio em 2023 é desafiador, o que pode levar a um aumento ainda maior no número de pedidos de recuperação judicial. No entanto, o setor também possui alguns fatores positivos, como a alta demanda por produtos agrícolas no mercado internacional.
Diante das modificações legislativas direcionadas para aqueles que exercem atividade rural no país, a expectativa, a partir da Lei no. 14.112/2020, é a de que produtores rurais que estejam enfrentando dificuldades financeiras possam, de forma mais facilitada, ingressar com o pedido de recuperação judicial, renovando seu “fôlego econômico” e auxiliando na preservação e restabelecimento financeiro de sua atividade.
É importante ressaltar que a Lei no. 14.112/2020 ainda é recente e é preciso acompanhar sua aplicação prática para avaliar seus impactos reais no Agronegócio.
Artigo escrito por Paula de Maragno, Sócia Fundadora da Maragno Advogados.