Você já ouviu falar sobre Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs) no âmbito do Direito Sucessório? As DAVs se integram ao planejamento sucessório, complementando testamentos, procurações e outros instrumentos jurídicos.
Este documento fornece detalhes específicos sobre os desejos do indivíduo em relação à sua saúde, em que ele manifesta, ainda em plena capacidade de discernimento, suas preferências sobre o que deve ser feito sobre a gestão de seu patrimônio, cuidados de sua saúde, trato de sua convivência diária e ao destino de seu corpo no caso de doença grave, incapacidade ou morte. É importante não confundir com o testamento, que é restrito apenas a disposições patrimoniais após a morte.
Em geral, é mais comum que as DAVs expressem as vontades do indivíduo voltadas a condições médicas, como por exemplo, tipos de tratamentos e procedimentos que deseja ou não receber; condições específicas em que deseja suspender ou recusar tratamentos; orientações sobre cuidados paliativos e manejo da dor; destinação de órgãos e tecidos; medidas (ou não) de reanimação cardiopulmonar; indicação de um representante para tomar decisões em seu nome, caso necessário; entre outras. Dessa forma, a pessoa evita que familiares ou a equipe médica tomem decisões em seu nome sem o seu consentimento, assegurando o respeito à sua autonomia e dignidade mesmo em momentos de fragilidade. As diretivas antecipadas do paciente devem prevalecer sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
O Direito Civil e a autodeterminação quanto à vida
Apesar de não existir uma lei específica, há resoluções que formalizam e garantem o respeito às últimas vontades dos pacientes no Brasil. A Resolução nº. 1.995/2012 e o Código de Ética Médica (Resolução nº. 2.217/2018, ambos do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelecem critérios para que qualquer pessoa conscientemente possa definir junto ao seu médico os limites de terapêuticos na fase terminal. No caso de o paciente ter designado um representante para tal fim, suas informações devem ser levadas em consideração pelo médico.
Documentar as DAVs permite que o indivíduo manifeste seus valores, crenças e princípios em relação aos cuidados médicos que deseja receber, por meio de um tratamento que esteja alinhado à sua visão de mundo e filosofia de vida, mesmo quando ele não puder se comunicar verbalmente. Este fator pode ser especialmente importante para pessoas com religiões ou convicções éticas específicas diante de decisões médicas complexas.
A escassez de cuidados paliativos no Brasil
Uma recente publicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) revela um panorama preocupante sobre a situação dos cuidados paliativos no Brasil, destacando a discrepância entre a demanda e a oferta desses serviços essenciais. Em 2024, são quase 600 mil adultos e 34 mil crianças com doenças graves e crônicas, em especial em estágios avançados, que necessitam de cuidados paliativos para a promoção da qualidade de vida.
A referência internacional indica que a oferta ideal seria de dois serviços especializados para cada grupo de 100.000 habitantes, mas o cenário nacional, no entanto, é desalentador: um serviço para cada 1,6 milhão de pessoas na rede pública; e um para cada 1,4 milhão na rede privada. Uma oferta muito abaixo do necessário.
No último mês de maio, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Cuidados Paliativos, visando ampliar a oferta de serviços de cuidados paliativos e, principalmente, reconhecer a importância dos cuidados paliativos como parte integral do tratamento, desde o diagnóstico até o fim da vida.
As DAVs e os cuidados paliativos caminham lado a lado na garantia de um cuidado digno, humanizado e respeitoso das vontades do paciente. Ao expressar suas vontades com antecedência e contar com o apoio de uma equipe especializada em cuidados paliativos, o indivíduo assume o controle sobre seu destino até o fim de sua vida.
A formalização das DAVs
Em regra, não há uma forma legal obrigatória para as DAVs. Elas podem ser formalizadas por escritura pública (em Cartório de Notas), instrumento particular ou até mesmo por outras vias, como gravações em áudio ou vídeo, desde que a vontade do indivíduo seja expressa de forma clara, inequívoca e com a devida comprovação da autenticidade.
A escritura pública é mais confiável, pois é lavrada por um tabelião e assinada por testemunhas que asseguram sua validade e a fé pública do documento. O instrumento particular não requer formalização em cartório; e DAVs meramente verbais possuem alta fragilidade probatória, o que pode gerar dúvidas e conflitos. Enfim, a formalização deve ser feita com base nas necessidades e preferências do indivíduo, sempre buscando a máxima segurança jurídica.
Recomendamos que a elaboração das DAVs seja feita com o suporte de um profissional qualificado do Direito Sucessório, detalhadamente e com a maior clareza possível. Além disso, recomenda-se o diálogo aberto e necessário entre equipe médica, familiares e demais envolvidos. Planeje-se com antecedência, formalize suas vontades de maneira segura e tenha a tranquilidade de saber que seus desejos serão respeitados!